Abordou a política e as eleições provinciais. Discutiam na boca da urna aos gritos, mas as expressões do rosto e os olhares eram ainda mais furiosos:
"__ Um voto só pode decidir as eleições". O candidato do ziemstvo (palavra russa que significa Conselho de administração local, eleito pelas classes proprietárias das terras de 1864 a 1918) era ultraliberal. "Desprezava a pobreza, entendia que a maioria dos nobres era partidário da servidão e que só por covardia não o confessava". Este era latifundiário, funcionário do Estado e marechal da nobreza modelar. Vivia viajando para o estrangeiro sempre que podia. O curioso que o candidato pensava de outra forma.
"Achava que os camponeses russos, quanto à inteligência, encontravam-se num grau intermediário entre o homem e o macaco, e no entanto, nas eleições, ziemstvo, apertava a mão dos mujicos, ouvindo sua opinião com o maior prazer".
Ainda falando sobre as eleições, foi encontrado dentro de uma urna um botão e uma noz.
Não faltou apreocupação com a higiene. Dispenso comentar como foi encontrado um parente com tuberculose, num quarto de pensão.
"Para onde vai o nosso dinheiro? Nós é que pagamos e eles trabalham a soldo. Não há escolas, nem farmácias e nem parteiras". Referia-se aos altos impostos pagos pelos pobres, muitos deles precisavam resgatar as próprias terras pagando para isto muito dinheiro.
Discutiam se os pobres deveriam estudar (temiam a esperteza destes):
"__ Ilustrado um mujique torna-se muito pior trabalhador". A administração do país era péssima e não ficou de fora a crítica aos tribunais de justiça.
Os defensores, os fiscais, ou o presidente do tribunal, pergunta ainda ao meu amigo Aliocha, o tontinho, depois de seis horas de tolice: "Senhor acusado, reconhece-se culpado do roubo do presunto?"
Houve um delito quando Aliocha furtou para comer. O resultado do julgamento foi feito pela cabeça do doente. Uma "doidera" desmedida feita pelo tribunal.
Numa sociedade onde o Judiciário não funciona, não se dá o respeito como órgão setorial de primeira relevância, quem perde é o Estado, no seu todo. Com relação a lei da escravatura não houve cumprimento. Lá século e meio atrás era assim, aqui século e meio depois empregamos para nos referir aos condenados as expressões "ladrão de galinha" e "colarinho branco"
Comentou o diagóstico dado pelo médico ao paciente com fígado dilatado: "Mandou fazer muito exercício físico, o mínimo de esforço cerebral e sobretudo evitar contrariedades..." As discussões transitavam também no terreno da filosofia. "O principal problema da filosofia, em todos os tempos, sempre foi o da necessidade de se encontrar a relação indispensável entre o interesse pessoal e o interesse geral". Aqui o autor reforça a crença em Deus: "Eu educado como cristão na idéia de Deus, tendo incluído a minha vida dos bens espirituais que me deu ao cristianismo, procuro, vivendo desses bens sem disso ter consciência, procuro como aquelas crianças, destruir o que me alimenta..., tal qual como essas criaturas quando sentem fome e frio, recorro a ELE e não menos que as crianças..." Vejo nessa reflexão a angústia do autor perante a fome e o frio russo que as crianças enfrentavam e elas recorriam a Deus e "não menos que as crianças" (aqui, onde grifei, está presente a crença do narrador que também recorria a Deus nessa situação de fome e frio, pelas crianças).
Como explicar o mal?
"Mas nada sei e nada posso saber senão o que a todos foi revelado!" O povo está num nível material e moral abaixo que decerto se oporá aceitar aquilo de que necessita.
Na Europa, a propriedade racional faz progressos, porque o povo está educado. Por conseguinte o que temos a fazer é educar o povo e pronto, como se verifica neste diálogo:
__ Mas como educar o povo?
__ Para conseguir são necessárias três coisas: escola, escola e escola... __ Para que servem as escolas?
__ Acordarão o povo para necessidades novas.
Expressões de cunho religioso e educação moral aparece em muitos momentos:
"__ Falas em educação moral. Não podes imaginar quanto isso é difícil! Ainda uma dificuldade está por vencer, surge logo outra, e de novo recomeça a luta. Se não fosse o apoio da religião... Nenhum pai poderá educar seus filhos sem o auxílio dela". "Só Deus sabe se teriam reconciliado de todo". Sem a busca religiosa esta reconciliação que o autor se refere não teria acontecido. Reconciliavam-se consigo e com Deus sentindo-se absolvidos pela consciência do dever cumprido, pelas dificuldades que enfrentavam na educação integral dos filhos e na busca por uma sociedade melhor. Concluiram afirmando que essa luta é compensadora, reconciliavam-se e agradeciam a Deus. "Graças a Deus a reconciliação é completa, completa."
Abordou o espiritismo, mostrando as discussões entre as pessoas:
"__ Queremos fazer uma experiência.
__ De que se trata?
__ De fazer girar mesas de pé-de-galo.
__ Perdoem-me, minhas senhoras e meus senhores, mas acho muito mais divertido que brinquem de prendas. Brincar de prendas tem algum sentido". Abordou o comunismo, o socialismo e a fusão de classe. Para mostrar que esta última era intocável empregou a expressão: "da-me náuseas".
Anna conhecera Vronski, amigo de seu irmão, no trem e vivia simultaneamente com este e com Alieksiei. Mais tarde o marido tomou coragem e procurou um advogado para providenciar o divórcio. Vejamos o diálogo a seguir:
__Tenho a infelicidade - principiou - de ser um marido enganado e desejo cortar legalmente os laços que me prende à minha mulher, isto é, quero divorciar-me...
O advogado num esforço para não rir:
__ Queria a minha colaboração para conseguir o divórcio?
__ Precisamente, mas devo preveni-lo de que hoje se trata apenas de uma consulta...
__ Oh! É sempre assim - replicou o advogado. __ Depende de Vossa Excelência.
Alieksiei pediu algumas explicações sobre as leis (do código russo), e o advogado começou enumerar casos que levariam ao divórcio: "defeitos físicos dos conjuges, ausência, em lugar desconhecido, durante cinco anos, e adultério..." "...exluindo em que não há defeito físico, nem ausência em parte incerta..." e não desenrolava o conteúdo enumerando nos dedos. O marido que estava acompanhado da mulher sugeriu então provas de adultério através de cartas. O advogado desprezou as provas e o encaminhou ao alto clero dizendo ter simpatia por eles:
__ Os padres arciprestes gostam muito de estudar os mínimos pormenores de tais assuntos.
Disse, então que precisava de provas testemunhal.
Nos encontros discutiam a sopremacia de um povo sobre o outro. O que seria uma civilização superior? A inglesa, a francesa ou a alemã. A França caminhava em passos largos."Verificamos como as províncias renanas se afrancesaram: será isso uma prova da inferioridade dos alemães?"
Falavam de cultura, línguas antigas e enveredavam para o tema da educação feminina:
Aliesksiei deu o seu ponto de vista: "...se confunde a educação feminina com o problema da liberdade da mulher e apenas neste sentido aquela pode ser considerada prejudicial". A falta de instrução gerava falta de direitos e a escravidão. O abismo que existia entre o homem e a mulher chegava ser incompreendido pelos próprios homens. Neste nível de conversa saia de tudo:
__Posso citar diante das minhas filhas: a mulher é um ser de cabelos compridos e..."
Não esqueceram de falar em amamentação.
Até Karênin sorriu. Explicou um:
__Até um inglês em alto mar , abordo de um navio, conseguiu amamentar um filho...
A infidelidade do homem era diferente da infidelidade da mulher. Observe o diálogo:
__Queres dizer que devo namorar as criadas? Perguntou Liêvin.
__ Por que não, se nos dá prazer?
A minha mulher, isso em nada prejudica. E a mim diverte-me. O importante é guardar o respeito ao santuário familiar. Que ali nada aconteça...
Vronski tentava falar com Anna, mas esta se irritava. Não podia viver de amor, tinha ocupações...
O narrador não deixou pedra sobre pedra: "As árvores ainda que fossem retorcidas e velhas não as cortaríamos para plantar um canteiro de flores: trataríamos de dispor os canteiros de tal sorte que não tivesse de sacrificar as árvores. Uma árvore dessa não pode fazer-se num ano".
Anna lia Taine (Hippolyte) filósofo, crítico e historiador francês, representante do determinismo, cujos elementos essenciais são: a raça, o meio e o momento que viveu na mesma época do narrador e que fazia sucesso com suas obras.
Anna já estava um ano sem ver o filho e isto a deixava transtornada, ora se culpava, ora culpava Vronski e não faltava os ciúmes que a tormentavam. Sentia amor e ódio. Crescia as desconfianças e uma carta que não chegava a levou a estação para surpreeender aquele que ela dizia ser "a outra paixão", agora sob cores hediondas. Pensava Anna que no fundo da sua alma ele terá grande satisfação em ver-se livre de mim. Ela encontra a carta e leu: "Sinto muito que a carta não tenha chegado a tempo. Voltarei às dez".
Atravessou a estação. Um comboio de mercadorias ia entrar na gare. Lembrou-se do homem atropelado no dia em que conhecera Vronski e comprendera o que tinha a fazer. Anna ainda sofria com censuras e o narrador que inicia o romance com sofrimento das pessoas envolvidas no adultério finaliza com castigo:
"Ali mesmo, no meio! Castiga-lo-ia e livrar-me-ei de tudo e de mim mesma.
Onde estou eu? Que faço eu? Para que? Pronunciou: Senhor, meu Deus, perdoa-me tudo!"
E a vela, à luz da qual Anna lera o LIVRO DA VIDA. Apagou-se para sempre.
Posted by Maria de Lourdes Cardoso AT. 11.09.2010 @ 14,12 pm