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quinta-feira, 6 de setembro de 2018

O HOMEM QUE CALCULAVA - Malba Tahan

     Escritor brasileiro que inicou sua carreira com o seu próprio nome, Júlio Cézar de Mello e Souza, sem sucesso. Mudou a sua história como escritor trocando suas origens com o pseudônimo de Malba Tahan, um árabe. Escreve o "O homem que calculava" em 1939 entre tantos outros.
     
     Um dos títulos do livro de Malba Tahan chama-se "Os quatro quatros". Diz o protagonista:
     "_ Repare que a soma de 12, dividido por 4, dá quociente 3. Eis, portanto, o 3 formando quatro quatros.
      _ E como vai formar o próprio número 4? Pergunta.
      _ Nada mais simples - explica Beremiz (o protagonista). O 4 pode ser formado de várias maneiras.
                  Eis uma expressão equivalente ao 4:
                                          
                                      4+ 4-4 
                                             4
     _ Observe que a segunda parcela 4-4 sobre 4, é nula e que a soma fica igual a 4. A expressão escrita equivale 4+0, ou 4." Segue o nosso narrador brincando, calculando mais um pouco com número 4. 
        Num outro capítulo entre tantos interessantísimos, porém muito longos encontrei um parecido com o cálculo matemático explicado pelo "nosso" ministro Palocci sobre a multiplicação do seu patrimônio em tão pouco tempo, também provável aluno do narrador. Chama-se "O problema dos 50 dinares."
                           Resumindo:
          Mercador
       "Pelo que acabo de ouvir o senhor é exímio matemático, nas contas e nos cálculos. Dar-lhe-ei de presente o belo turbante azul se o senhor explicar certo mistério encontrado numa soma, que a dois anos me tortura o espírito." Narrou o seguinte:
     "Emprestei certa vez a quantia  de 100 dinares, sendo 50 a um cheique de Medina e outro 50 a um judeu do Cairo."

      O medina pagou a dívida em 4 parcelas, assim:
      Pagou 20      ficou devendo 30
      Pagou 15      ficou devendo 15
      Pagou 10      ficou devendo   5
      Pagou   5      ficou devendo   0
      Soma  50      Soma                50  
      
 O cairota me pagou os 50 dinares em 4 parcelas, assim:

     Pagou 20      ficou devendo 30
     Pagou 18      ficou devendo 12
     Pagou   3      ficou devendo   9
     Pagou   9      ficou devendo   0
     Soma  50      Soma               51

     Existe a diferença de 1. Não fui prejudicado, diz o mercador. O que deu errado?
                     Explica o calculista:
     "Nas contas de pagamento, os saldos devedores não tem relação alguma com o total da dívida. Admitimos que uma dívida  de 50 dinares fosse paga em 3 prestações:"

      A primeira de 10        ficou devendo 40
      A segunda de   5        ficou devendo 35
      A terceira de  35        ficou devendo   0
      Soma              50        Soma               75
            
       Explica o calculista:
     "A primeira soma é 50 ao passo que a segunda soma é 75, mas podia ser 80, 90, 100, 260 e 800, ou qualquer número. O mercador entendeu tudo e deu de presente o turbante azul que valia 4 dinares."
       Confira esta bela obra de Malba Tahan e fique com uma frase dele: "É preciso desconfiar sete vezes do cálculo, e cem vezes do calculista."



                                                       

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

ELOGIOS DA LOUCURA - Erasmo de Rotterdam

       
              SOBRE OS ELOGIOS DA LOUCURA

      A obra, é uma sátira que atravessa o tempo permanecendo sempre atual, escrita por  Desiderius Erasmus, mais conhecido por Erasmo de Rotterdam, por ter nascido nessa cidade em 1465. Faz uma homenagem a Tomás Morus, um chanceler e advogado do reino de Henrique VIII, que foi enviado a Frandes, para tratar de uma missão, uma querela, com o príncipe Carlos, em Castela, na Espanha.  Em Oxford, onde estudaram, fizeram uma grande amizade e o amigo lhe faz uma dedicatória com o livro Elogios da Loucura, que  se pode ler numa carta enviada a Morus. 

                                                                                                                Salve!
     " Encontrando-me, há dias, de retorno à Itália, para a Inglaterra, para não despender todo o tempo da viagem em insípidas fábulas, dei preferência em distrair-me, já voltando o espírito para os nossos estudos comuns, já relembrando os sapientíssimos e igualmente muito agradáveis amigos que eu deixava ao partir. E foste tu, caríssimo Morus, o primeiro que surgiu ao meus olhos, visto como, não obstante tamanha distância, eu via e conversava contigo com idêntico prazer, que em tua presença costumava sentir e o qual juro que não experimentei maior em minha vida. Não querendo neste interregno, ser tido como indolente, e não me parecendo serem as circunstâncias apropriadas aos pensamentos sérios, achei que me convinha divertir-me com um elogio da Loucura? _ indagarás a mim. Pelo motivo que segue: no início fui dominado por essa fantasia devido ao teu gentil sobrenome, tão idêntico a Moria (loucura em grego) quanto em realidade estás distanciado  dela e, certamente, mais distante sobretudo do conceito que se tem dela. Depois fiquei lisonjeado com a suposição de que essa engenhosa pilhéria viesse a merecer a tua aprovação, se é certo que divertimentos tão artificiais, ainda que, em verdade, não o julgues plebeus, nem inteiramente insípidos, possam agradar-te, permitindo que, qual novo Demócrito, observes e ponhas em ridículo os eventos da vida humana. Conseguintemente, terás prazer, agora, não apenas em aceitar de bom grado esta minha pequena arenga, como sendo um presente do teu bom amigo, mas ainda colocando-a debaixo da tua proteção, como uma coisa sagrada para ti e, verdadeiramente, mais tua do que minha. 
      No que me diz respeito, deixo aos demais que julguem esta minha tagarelice; porém, se o meu amor-próprio não permitir que eu me dê conta disso, ficarei satisfeito de ter exaltado a Loucura sem estar completamente louco. Muito mais livre e azedo foi São Jerônimo, que nem mesmo perdoava o nome das pessoas! Contudo, por que razão hei de te dizer todas essas coisas, se tu és eminente advogado, capacitado de modo egrégio ainda as causas menos propícias? 
      Sem mais, eloquentíssimo Morus, faço votos que estejas no gozo de tua saúde e tomes com todo ânimo a parte de tua loucura."

                                                                                                                                      VILA, 10 de junho de 1508. 


        Sobre os Elogios da Loucura, deparamos  com a presença                  dos sábios da educação  e da justiça, mostradas  com o emprego do  paradoxo.  Pintou  a alma humana como de um  louco,  satirizada       com espiritualidade.                                                                       
                                                                 


      A carta mostra a vivência de Erasmo: um talento que não pode ser desperdiçado com leviandades, uma pessoa de muito bom humor, de uma alegria permanente. As máximas se afloram para satirizar a educação,  àqueles que se acham sábios com o emprego do contraditório: "Não tens quem te faça um elogio? Elogia-te a ti mesmo."  Chega a ser sarcástico, mas necessário para atingir  de maneira inevitável e de forma universal, a falta de elogios e pelo "profundo desprezo não sei se pela ingratidão ou pelo fingimento dos mortais." O ignorar, falta de generosidade, o dar às costas para quem um dia lhe estendeu a mão, e pelo que se percebe tem aqueles  que fazem de conta que não se conhecem, ou direcionam-se a uns e a outros, ah! São os outros. Onde está a educação? "É verdade que alimentam por mim uma veneração muito grande e apreciam muito as minhas ações  generosas; entretanto, parece inacreditável, desde que mundo é mundo, jamais existiu um único homem que, dando mostras de reconhecimento, fizesse o elogio da Loucura."
   "O que seria dessa vida, se faz jus ao nome de vida, sem os prazeres da volúpia". O pensador comenta a vida fastidiosa e o que traz o alívio para a vida, é a volúpia, com gracejos e burburinhos. Para ele, a loucura faz parte da sabedoria, desde que fossem sábios.  Satirizando e contradizendo-se, porque se a sabedoria, segundo ele, também é o veneno da vida, porque nos priva das loucuras, então os loucos não se deixam envenenar, atiram-se na volúpia, e a vida torna-se mais prazerosa: "E como é bom viver!” 
     "Esclarecei-me se existiu uma só cidade que tivesse adotado as leis de Platão e de Sócrates, ou as máximas de Sócrates." O que os sábios exclamam: "pode existir loucura maior do que a de um candidato que adula de modo suplicante o povo para conquistar honras  que adquire o seu beneplácito à custa de liberalismo?"   Por que lembra do liberalismo se ele só foi surgir dois séculos depois? As doutrinas que descrevem o liberalismo como um pensamento voltado para a liberdade tem início com os filósofos na Antiga Grécia e China Antiga. A sociedade que o pensador ironiza vive sufocada num “eterno” feudalismo que se evidencia no século III, continua até século XV e dele ultrapassa  em torno de senhores proprietários e monarcas. Uma loucura, o comportamento dos políticos quando necessitam do povo para atingir cargos de reis, senadores, governantes sem ter plantado nenhum mérito anterior ou nenhuma sabedoria.  A classe operária, os miseráveis, que são submissos, aplaudem os mentecaptos, que recebem honras divinas, sem méritos. Ainda aponta para "as cerimônias públicas que efetuam para acrescentar ao número dos deuses os mais celerados tiranos." Eram cerimônias romanas que até os dias de hoje se copiam através da mídia com honrarias e troféus com destinos pré-determinados. 
       Lembra Sócrates: "Acontece que esse homem não era inteiramente louco", pois os sábios deveriam afastar-se inteiramente do regime da república, que só estavam a serviço do bem viver, de ensinamentos e na República de Platão,  lembra o poeta Píndaro, a respeito de quem tiver levado uma existência justa e pura: 

a doce esperança
que lhe acalenta o coração acompanha-o,
qual amada velhice, a esperança que governa mais que tudo,  
os espíritos vacilantes dos mortais.

     Sócrates não era assim tão louco, mas leva a ética a sério, não quis ludibriar os seus detratores, não volta atrás nas afirmações filosóficas e prefere tomar Cicuta à passar o resto da vida concordando com eles. Uma loucura! Já na Idade Média, Galileu não perde nenhum conceito de sabedoria e permanece vivo. Outros tempos!
        Fala de Homero que apesar de cego, enxergava essas verdades: "O tolo - disse ele - aprende à sua custa e apenas abre os olhos depois do fato."  Nenhuma ironia, apenas a ambiguidade, a loucura, a tolice humana, que caminha de olhos vendados e só depois que se vê perante aquilo que acredita como certo, agora, o próprio fato  mostra outra realidade.
    "O que está fora de qualquer dúvida é que os filósofos, quase por universal consenso, ridicularizam a advocacia e, com grande propriedade, qualificam esse mister como ciência de burro. Entretanto burros ou não, serão sempre eles os intérpretes das leis e os reguladores de todos os negócios."  Na Idade média era assim, antes dela também e nos tempos modernos, nessa contemporaneidade do século XXI, nada mudou; continua sendo a ciência de burro, assim ela  se divide em três pensamentos, os que fazem dela continuar sendo a ciência dos burros, os que fingem que não sabe que é a  ciência dos burros, e os que conhecem bem a ciência dos burros. Salvo-conduto, que se lembre da ironia do pensador, tanto que dedica o livro a um excelente advogado da corte inglesa em homenagem a sabedoria, a fidelidade e os mesmos cuidados em lidar com o ofício, era um humanista, que enfrenta o Canal da Mancha para resolver a querela do Rei.
    "Querem os advogados levar de vencida todos os demais eruditos e fazem enorme conceito de sua arte. Ora, para usar de franqueza para convosco, a sua profissão e, em derradeira análise, um verdadeiro esforço de Sísifo. Efetivamente, eles determinam uma porção de leis que não levam a qualquer conclusão. Que coisa são o digesto, as pandetas, o código? Um acervo de comentários, de glosas, de citações com toda essa confusão, fazem acreditar ao populacho que, de todas as ciências, a sua é aquela que necessita o mais laborioso e sublime engenho. E, como acontece julgar-se mais belo o que é mais difícil, sucede que os estúpidos têm um elevado conceito essa ciência." Na crítica irônica, o julgamento é feito pela justiça, pelos esforços dos advogados com as leis para condenar. Morus vem sofrendo as represálias do Rei por defender a classe operária; é um escritor com muitos livros editados e entrega o último a Erasmo para que publicasse após a sua morte, a Utopia, enquanto lida com a fúria e o apelo da corte para a condenação,  por uma fofoca, a ser decapitado. Já sofria de gota, então pede a um dos guardas com a mesma coragem que conduz a vida, porém de espírito sossegado, que ajude a subir no cadafalso: "Amigo auxilia-me a subir, que quando eu descer não te darei mais trabalho".  
    Cita Sísifo, condenado pelos poetas a rolar uma pedra montanha acima e assim que se aproximava do topo deixa escaparEssa condenação mitológica corresponde ao que hoje se chama de prisão perpétua, pois o condenado teve de rolar a pedra por toda existência, com a diferença do esforço ser sobre-humano e sem nunca atingir o ponto. No Senado, Luis Roberto Barroso é sabatinado,  como um dos requisitos para se tornar Ministro do STF,  afirmou que o mensalão representa "um ponto fora da curva". Para Barroso a curva demonstra o funcionamento do direito em condições normais. Cada sentença judicial, cada ponto encontra o seu lugar perto de certo acordo de base: a curva, que representa uma espécie de sentença ideal a reunir casos semelhantesO acordo de base passa perto da curva, mas não chega a ser tocado, não tangencial o que seria uma sentença ideal. Por que, pensou Barroso, dessa forma? Observe o direito e suas análises, e suas sentenças: Sísifo parte da base para chegar ao cimo em linha reta, com uma pedra, sem passar por perto de curva; Barroso imagina a base como um acordo que se faz, que seria o ideal, e por que não é? Sísifo, faz o esforço inútil, já que a pedra ao tocar o cimo, volta à base, e ambos, o ponto não toca a curva. As sentenças, as análises continuam como o próprio autor ironiza uma ciência de burro.
     "Tem os sábios, que possuem duas línguas, uma para expressar aquilo que pensam e a outra para falar de acordo com as circunstâncias com talentos para fazer o preto surgir como branco e o branco como preto, soprando com a mesma boca  tanto o calor como o frio."  Eurípedes, na primeira  máxima, lembra a língua da sanguessuga que se bifurca, segundo Plínio, são os discursos com palavras estrangeiras formando mosaicos, só enganando os leitores, os tolos, e na segunda, menciona a fábula de Aniano que relata a história de um camponês sátiro,  que sai de sua cabana e, enrijecido pelo frio, é acolhido por outro que lhe serve uma sopa quente, enquanto assopra as mãos para aquecê-las, repetido pelo hóspede. Na mesa o sátiro tem dificuldades para tomar a sopa quente, então vê que o camponês antes de levar  à boca, assopra para esfriar. Vendo isso ele mostra-se espantado, da mesma boca que sai calor, também sai frio? E sai a correr porta afora por achar que estava sendo enganado.
   "Eu nunca desejaria beber com um homem que tudo se recordasse". O pensador não gosta de ladrilhos, de estrangeirismos, no meio das palavras, mas Qui peccat ebrius, luat sibbrius. (Aph. JUR). Quem bebe para falar, expia para calar."Odeio o ouvinte de memória fiel em demasia". Repete o contraditório no emprego do verbo odiar no lugar de amar e o adjetivo em demasia incomoda o pensador, pois que abundat non nocere. O mestre era amante do que abunda ou não abunda?
     E despede-se: "E, por isso, sede sadios, aplaudi, vivei, bebei, ó muito célebres iniciados nos mistérios da Loucura." (Cardoso, Maria de Lourdes)
                                                                       
                     

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

EU ACUSO...! E O PROCESSO DO CAPITÃO DEYFRUS - Émile Zola/Rui Barbosa

CapaÉmile Zola, nasce em 1840 em Paris e morre em 1902 por um escapamento de gás, quando dormia, também em Paris. Era odiado pela sociedade de direita, mas não ficou comprovado o assassinato vinculado ao acidente na época. Agitou a sociedade parisiense depois de escrever J'accuse (Eu acuso) em 1898 pedindo a absolvição no "Caso Dreyfus" e publicado no Jornal L'aurore com o título de: LETRE AO PRESIDENT DE LA REPUBLIQUE. O  capitão, Dreyfus, do exército  fora condenado por um crime que não havia cometido e que envolvia poderosos do exército da França e fora dela. Três anos antes da condenação, Rui Barbosa escreve um artigo na Inglaterra  se referindo a acusação de Dreyfus três anos antes de Zola que se pode ler em um pequeno livro Émile Zola,  Perante a inteligência do grande jurista há quem diga que foi ele quem absolveu o capitão. O artigo escrito por Rui foi lido no Brasil e publicado em Buenos Aires e não se tem prova de que tenha chegado até Paris.  Rui enviou lições ao nosso Judiciário: "Como quer que seja, na Inglaterra a forma inquisitória dada em França a esse julgamento seria hoje impossível. O Times, a tradição  viva deste país, exprimiu o sentimento inglês sobre o assunto num artigo memorável. Não sei resistir ao prazer de transcrever-lhe os trechos capitais. Fá-lo-ei, porque, além de tudo, nenhum país necessita mais de lições como esta do que o Brasil destes dias."  . Perante a inteligência do grande jurista há quem diga que foi ele quem absolveu o capitão. O artigo escrito por Rui foi lido no Brasil e publicado em Buenos Aires e não se tem prova de que tenha chegado até Paris.   e a ganância pelo poder.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

UTOPIA - Tomas Morus


                      PRIMEIRO LIVRO
     O autor nasce em Londres em 1478 e decapitado em 1535 no reinado Henrique VIII. Utopia é editada em Basileia (Suiça) por seu amigo  Erasmo de Rotterdam, que conhece em Oxford, onde estuda e desta amizade o amigo lhe faz uma dedicatória com o livro "Elogios da Loucura" que se pode ler numa carta enviada a Morus.
    "Encontrando-me, há dias, de retorno à Itália, para a Inglaterra, para não despender todo o tempo da viagem em insípidas fábulas, dei preferência em distrair-me, já voltando o espírito para os nossos estudos comuns, já relembrando os sapientíssimos e igualmente muito agradáveis amigos que eu deixava ao partir. E foste tu, caríssimo Morus, o primeiro que surgiu ao meus olhos, visto como, não obstante tamanha distância, eu via e conversava contigo com idêntico prazer, que em tua presença costumava sentir e o qual juro que não experimentei maior em minha vida. Não querendo neste interregno, ser tido como indolente, e não me parecendo serem as circunstâncias apropriadas aos pensamentos sérios, achei que me convinha divertir-me com um elogio da Loucura? _ indagarás a mim. Pelo motivo que segue: no início fui dominado por essa fantasia devido ao teu gentil sobrenome, tão idêntico a Moria (loucura em grego) quanto em realidade estás distanciado  dela e, certamente, mais distante sobretudo do conceito que se tem dela [...] Contudo, por que razão hei de te dizer todas essas coisas, se tu és eminente advogado, capacitado de modo egrégio ainda as causas menos propícias? 
      Sem mais, eloquentíssimo Morus, faço votos que estejas no gozo de tua saúde e tomes com todo ânimo a parte de tua loucura". VILA, 10 de junho de 1508. 
       O autor é um parlamentar do reinado de Henrique VIII, e foi enviado a Frandes, para tratar de uma missão "uma querela", com o príncipe Carlos, em Castela, em Burges na Espanha. Além de advogado o autor cria uma personagem versada em Filosofia, sua paixão, esse lhe é apresentado pelo seu amigo Pedro Gil, cidadão antuerpense, o português e navegador Rafael Hitiodeu. Ele é conhecedor do latim, "fê-lo cultivar ainda a língua de Atenas de preferência à de Roma". Assim a personalidade de Rafael, que ele chama de "meu antagonista", a certa altura do texto, dois vultos na presença de Pedro Gil, se sobressaem de maneira conhecedora dos problemas sociais, as suas histórias irão servir para elaboração de um segundo livro e apenas algumas pinceladas sobre a Filosofia romana como algumas passagens sobre Sêneca e Cícero.
O autor não vê necessidade de perguntar a Rafael sobre Cila, Celenos e Lestigões, monstros ou pessoas mitológicas "comedores de gente". Encontrei em Homero, na Odisseia versos que provam a "existência" destes últimos:
"Inclinou-se Telêmaco a Minerva,
 Dizendo à puridade: "Hospede caro,
 Vou talvez enfadar-te? Eles só curam
 De cantigas e danças, porque impunes
 Comem do alheio, os bens do herói consumem
 Cuja ossada ou jaz podre em, longas terras..."(Livro I, v. 129 a 134)
     Esta referência, "os comedores de gente", era a terrível ironia as guerras, onde tombavam pessoas e que o autor denominou também de "animais carnívoros" que a França aprende a sua custa.
   Cita o narrador: "O que é raro, é uma sociedade sã e sabiamente organizada". E este pode tema desta história.      Encontra-se um discurso em primeira pessoa, tanto no singular como no plural:
   "Um dia eu estava em Notre-Dame [...] dou de cara com Pedro Gil que conversava com estrangeiro, já idoso".
   "Sobre estas questões nós o importunamos com perguntas intermináveis [...] 
   Nesta obra encontra-se uma crítica ao reinado inglês e uma análise dos governos por onde o antagonista percorre. O autor  mostra a riqueza dos príncipes, do clero, daqueles que crescem nos feudos e o distanciamento  da vida dos miseráveis: "A principal causa da miséria reside no número excessivo de nobres, zangões ociosos, que se nutrem do suor e do trabalho de outrem e que, para aumentar seus rendimentos, mandam cultivar suas terras, escorchando os rendeiros até a carne viva". Desta passagem se extrai a causa da miséria, a sua existência no trabalho do campo e a ociosidade daqueles que se nutrem do suor destes com vida palaciana, mostrando o antagonismo de classes ou a dicotomia: riqueza e miséria. Aqui extraí-se o pivô da tragédia dos governantes, no caso os dois Reis de que cita o autor: Henrique VII e Henrique VIII, o objeto principal, a discussão do narrador com seu antagonista, a miséria que reina que deste ponto do objeto,  pode-se de chamar de raiz, com algumas bifurcações como a fome, o crime e as condenações.
   Vê-se uma narrativa feita de reflexões profundas, um balanço de tudo que vivenciam: "Examinando cada forma de governo, analisava, com uma sagacidade maravilhosa, o que há de bom e verdadeiro numa, de mau e de falso noutra". Procuram juntos, e Pedro Gil fazia parte, de uma solução para a governabilidade e sonham com um lugar onde houvessem harmonia, com uma sociedade humana "organizada de modo a garantir para cada um uma igual porção de bens". Um lugar, uma ilha com o nome de Utopia, nome inventado pelo autor e retirado de um conquistador que se apoderou da  ilha, Utopus. Nesse primeiro livro por mais de uma vez é citado um segundo que será descrito por Rafael, depois de ouvir todas as aventuras na linha do Equador,  com animais, povos ferozes e muito calor, por terras afastadas com animais mais mansos e a presença do verde. Esse aceita o convite:
      "_Com muito gosto, respondeu Rafael; essas coisas estão sempre presentes  à minha memória; mas a narrativa exige tempo".

                          SEGUNDO LIVRO
     No primeiro livro o autor fala de Henrique VII,  mas também de uma miséria e sofrimento que brota de todos os lados, fruto de uma sociedade em decadência nas mãos do clero que possuiam muito mais da metade das terras (os feudos) juntamente com os nobres.
  No Segundo Livro, a convite do narrador, Rafael promete fazer a descrição desta ilha com muito gosto, mas avisa que precisa de muito tempo. O narrador pede, que "descrevei-nos os campos, os rios, as cidades, os homens, os costumes, as instituições, as leis, tudo o que pensais que desejamos saber, e, acreditai-me, esse desejo abarca tudo que ignoramos." No emprego do verbo descrevei-nos, aoarece o desejo de um narrador oculto, quando se ausenta e coloca alguém para narrar.
  Inicia a descrição: "O QUE VOS DIGO EM VOZ BAIXA & AO OUVIDO PREGAI-O EM VOZ ALTA & ABERTAMENTE."
  O narrador oculto, é  ameaçado pelo Rei Henrique VIII, escreveu o livro em latim e ao ser traduzido fica as marcas da língua: "O QUE VOS DIGO EM VOZ BAIXA & AO OUVIDO" é a revelação de um desejo que não pode extravasar naquele momento, já que está envolvido na corte inglesa não será perdoado pela crítica dos desmandos do Rei, mas implora "PREGAI-O EM VOZ ALTA & ABERTAMENTE." Nesta oração ele emprega o Imperativo afirmativo, de forma invocativa. Esta é a intenção do autor: primeiro o silêncio e depois a palavra revelada para todos no momento certo.
  Encontra-se um  narrador-onisciente, narra em  terceira pessoa: "O mar enche esta imensa bacia [...]; A entrada do golfo é perigosa por causa dos bancos de areia." Aqui dou dois exemplos de um narrador conhecedor da história, embora fictícia, assim como vamos encontrar momentos em que ele sai deste anonimato para surpreender com intromissões de fala e neste caso entra a primeira pessoa: "Aqui espero uma série de objeção e apresso-me em rebatê-la" ou "Ora o que afirmo em Utopia está provado pelos fatos." O narrador emprega o Presente do Indicativo de forma ilocutória ou apelativa num discurso indireto e a resposta é dada por ele mesmo: "está provado pelos fatos". Aqui "fatos" neste segundo livro são baseados no primeiro com uma história real, vivida pelo narrador e pelo antagonista, que o autor perpassa para o leitor com uma aparência mais próxima da realidade nos reinados na Inglaterra e fora dela, agora "fatos" passa para um mundo imaginário, uma fantasia vivida para levar ao leitor a um pedaço de terra que se desliga do continente chamada Abraxia, onde a sociedade pode ser diferente, assim como muito mais tarde escreveu Marx, um socialismo onde todos podem viver de maneira igualitária. Ele cria uma ilha que não foge os padrões das ilhas do Canal da Mancha, tem seu lado bom, um centro com águas calmas, uma bacia com vasto porto, mas com uma entrada com bancos de areia e dos escolhos. Fala de um rochedo visível que me vez lembrar Victor Hugo em "Os Trabalhadores do Mar", que enfrentam os rochedos nas idas e vindas pelo canal ou também a Ilha de Fernando de Noronha, descrita por Rafael, com águas calmas, conhecida por Américo Vespúcio.
 Ali um conquistador de nome Utopus, apodera-se dela e dá-lhe o  nome Utopia, com os habitantes, os utopianos. 
 Nesta ilha, nem tudo é perfeito, mas qualquer rebelação "eles expulsam esta nação da região que querem colonizar, e, se preciso empregam, para tal, as forças das armas". Por duas vezes houve peste e "a população do lugar diminuisse a ponto de não poder ser restabelecida sem romper o equilíbrio e a constituição das outras partes da ilha..."
  Este narrador trás à tona o idoso e que até os dias de hoje é respeitado na Inglaterra e este país está colocada entre os primeiros do mundo com a permanência dos avós dentro do lar juntamente com a família. Em Utopia vemos um idoso, que "preside a família", com honras de lugar na mesa e o melhor pedaço de alimento que por sua vez divide para o próximo. Os chineses vê no idoso aquele conhecimento impírico,  que veio construindo através das experiência vividas, sem por em xeque o grau de instrução, assim também o escritor foi tomado desta mesma consciência que atravessa os mares com os navegadores. O respeito com os mais velhos.
  O autor, em uma passagem narra  que na lavoura há dois escravos e agora,  estes mais: "Os escravos são encarregados dos trabalhos de cozinha mais sujos e penosos". Esta tomada de consciência de acabar com a escravidão ainda não se passa pela cabeça do narrador e mesmo nesta República de direitos aproximados os escravos não foram extintos, mesmo que o governador e idealizador da ilha quer o bem para todos, já que a narrativa se opõe a do Primeiro Livro onde há uma escravidão quase que na totalidade do povo. 
 "Os embaixadores traziam uma vestimenta rica e suntuosa...que era a marca vergonhosa da infâmia, o brinquedo da criança."Eles são vistos quando entram na ilha, que "sem lhe dar mais atenção do que os lacaios e os olhavam com piedade". Foram humilhados porque os escravos estavam cobertos de ouro e "despojaram-se apressadamente do fausto que tão orgulhosamente tinham exposto". A intensão do narrador como embaixador que no Reinado da Inglaterra é de que esta ideologia de se despir do ouro irá levá-los a igualdade como os demais da população e o autor conhece muito bem os gastos do seu Reinado.
  Marx, em O Capital, fala da extração do ouro, das pedras preciosas e vive de perto morando na Inglaterra a extravagância dos poderosos e a exploração dos operários. Cita o narrador de Utopia: "Admiram-se que o ouro, inutil pela sua própria natureza, tenha dquirido um valor fictício tão considerável que seja muito mais estimado do que o homem; ainda que somente o homem lhe tenha dado este valor e dele se utilize, conforme seus caprichos". Para quem pense que a Filosofia econômica de que fala Marx partiu dele, enganam-se porque acima de tudo é um pesquisador. Veja a minha conclusão do trabalho sobre El capital: "Um brilhante, uma esmeralda ou qualquer pedra extraída, deve valer não só pelo valor da pedra, mas acrescida ao valor, o trabalho daquele que a extrae, o que não acontece nem aqui e nem na China".
   "Que dizer dos avarentos que acumulam dinheiro e mais dinheiro, não para o seu uso, mas para    se consumir   na contemplação de uma enorme   quantidade de   metal?   O prazer desses ricos miseráveis não é   pura quimera?"           O narrador fala de uma estupidez escessiva de    enterrar seus escudos, de enterrar o ouro,    chama-os de  avarentos, isso para ele é o mesmo que roubar e    que   chama     de "depósito confiado à terra."
    Encerro e faço um convite para que leiam  Utopia,  assim  como  O príncipe de Maquiavel ou a República de Platão.  



sábado, 13 de setembro de 2014

A DESOBEDIÊNCIA CIVIL - Henry David Thoreau

     Em 1845, Thoreau, pensador norte-americano, aos 38 anos depois de escrever: An Excursion to Canadá, Excursions, The Maine Woods, a Natural History of Massachusetts e sir Walter Raleigh, sai do povoado de Conrad no estado de Massachusetts e vai morar às margens do lago Walden por dois anos e meio.
     Retira-se do convívio social pelo tempo que lhe foi necessário: "Deixei a mata por uma razão tão boa quanto a que me levou para lá. Talvez me parecesse que eu tenha várias outras vidas para viver e não podia dedicar mais tempo àquela." (Walden, 140)
     Quando ainda morando em Walden em 1846, assim narra em seu livro: "Numa tarde, terminando o primeiro verão, quando fui ao povoado para pegar um sapato no conserto, fui detido e preso, como contei em outro lugar, não paguei um imposto, ou seja, não reconheci a autoridade do Estado que compra homens, mulheres e crianças como gado às portas de seu Senado. " (Walden, p. 167)
     Escreve um ensaio "A desobediência civil" em 1848, contra a cobrança de imposto em protesto a Guerra contra o México e contra a escravidão. "Às vezes eu me admiro como podemos ser tão dignos, frívolos em nos ocupar com a forma de cativeiro - grave, é certo, mas um tanto estrangeira - chamado Escravidão Negra, enquanto existem tantos senhores sutis e ardilosos que escravizam o Norte e o Sul." (Walden, p. 21)
     Inicia protestando enfaticamente: "O melhor governo é o que governa menos." Aqui faz, talvez uma denúncia ou eclarecimento sobre a direção que tomava os governantes do país de Norte a Sul. Esta seria a primeira máxima que vem de encontro com uma outra: "O melhor governo é o que absolutamente não governa." Naquela situação seria bem melhor para uma nação perdida nas mãos sórdidas de seus governantes que eles deixassem o país livre, nas mãos da sociedade. A incompetência dos escolhidos e daqueles que se apresentam como representantes do governo, apenas desgovernam de maneira brutal. Chama de governo "inconveniente", e incoveniente são realmente seus representantes que unidos praticam atos imorais contra o povo igualmente propensos a "abusos e desvios." Abusos e desvios palavras na boca do povo de muitas nações por séculos à fora, haja vista o que acontece nos dias atuais aqui no Brasil, onde uma nação suporta os mais altos impostos do mundo e o dinheiro arrecadado tem um fim que o povo desconhece, apesar de se falar por aqui em transparência. A corrupção em nosso país está também na boca do povo  e está presente de Norte a Sul e de Leste a Oeste. Escreve que "não havia sido consultado que tal medida fosse tomada", aqui refere-se a prisão , pois o povo norte-americano era tomado de surpresa com as decisões vindas do poder, das leis instituídas pela nação. "Eu não peço a extinção do governo de imediato, mas sim imediatamente, um governo melhor. Deixem que cada homem expresse o tipo de governo digno de seu respeito, e este já será um passo para que ele vigore."
     O regime republicano protegido por leis nos leva a suportar os desmandos, ficamos atrelados  a um infindável número de parlamentares e senadores que nada sabem, nada veem a não ser os polpudos salários de cada mês.
     Disse muito bem o brasileiro Medeiros e Albuquerque: "Quando se acusa um partido reacionário de ser nefasto a qualquer país, em cuja direção ele está há muito tempo, a resposta que sempre aparece é a de comparação da situação do país, no momento que o partido assume o poder e no momento em que é feita a acusação." (Internet, Portal San Francisco, Presidencialismo e Parlamentarismo no Brasil). O ilustre brasileiro está se referindo a vontade inexistente de conduzir uma nação por partidos em qualquer país. O mesmo regime político que está dando certo em um país, não está em outro. O que falta a uma nação de homens de boa vontade, voltados para o progresso, pela igualdade entre os homens, salários igualitários e educação igualmente igualitária é a chamada vontade política.  
     Na guerra segundo Thoreau, os soldados são comparados talvez ou toda a engrenagem governamental "como máquina", entregando seus corpos." Assim prosseguem em guerras ora com vitnamitas, ora com países da Ásia Menor. Seus heróis são infindáveis soldados mutilados em cadeiras de rodas entre os enviados de cá e os combatentes de lá.  Exibem seus troféus e o povo assiste, como assite a um filme, que assim que termina a fita o seu herói não é mais lembrado. Assim escreve Gilberto Amado: "Perdido no volume das massas, apagado no corpo das coletividades, mesquinho, obscuro na grandeza e no brilho dos batalhões, insignificante no renome da pátria - ninguém se lembra dele, do pobre ser humano, ninguém se lembra dos indivíduos esmagados no choque dos batalhões aos milhares, como protozoários sob uma árvore que tomba ou destruídos na fúria de um ciclone." (Grão de Areia, p. 57)
     Em "A desobediência civil", refere-se aos impostos tributados nas "mercadorias estrangeiras trazidas a seus portos," produtos indispensáveis a ele e que sem dúvida o povo se torna escravo daquilo que não precisa, mas que como animais ao pasto, caminha em sua direção. Esta máquina que estrangula afirma que "devemos repudiá-la."
     Aqui no Brasil, devemos repudiar a onda de produtos contrabandiados que já são visto de maneira corriqueira, institucionalizada, fruto dos altos imposto taxados pelo governo para todo brasileiro que quizer investir em produção. A armazenagem compulsiva dos contrabandeados toma conta dos lares com os produtos sem finalidades com um destino cruel, a intoxicação do planeta.
     O foco narrativo de Thoreau, sobre a escravidão, que assolava o país, homens oriundos da África, eram negociados à porta do Senado e diz que a "massa dos homens é despreocupada" e aponta para a existência de "uma bondade absoluta em algum lugar, pois isso fermentará toda a massa informe." Diz que "em opinião as pessoas se opõem a escravidão e à guerra, mas nada fazem de fato para acabar com as duas; que, considerando-se filhos de Washington e Franklin, se sentam com as mãos nos bolsos dizem que nada sabem o que fazer  (...)
     Os filhos dos dois presidentes  que nada fazem vem de encontro ao despreparo. A preocupação política com o preparo de seu povo é insignificante e o acesso uma formação integral do cidadão fica restrito à poucos. Assim assistem aos desmandos sentados, mas contrariados, sem ação. A preocupação dos "mais preparados" é sem dúvida desenvolver o seu comércio ou tornar-se um proprietário de terras para o plantio, sem limites, destruíndo o que está pela frente.
     Aqui também temos os filhos de Vargas e de Kubitschek. O primeiro ficou no poder por 15 anos e chama de "arrumar a casa" ou seja, cria possibilidades de uma sustentação econômica através da agricultura alimentar e na indústria. Preocupa-se com as fronteiras e cria a "Marcha para o Oeste", com colônias agrícolas em terras do governo e até expulsa fazendeiros assentados nestas terras. Assim surge os minifúndios e ao mesmo tempo surge os coronéis em terras estratégicas que empurram os minifundiários com falsificação de documentos na chamada "grilagem de terra" ou também conhecido por "caxixe". Vendem a madeira e fazem a lavagem de dinheiro. Surge assim o nosso capitalismo com o lucro dos coronéis cercados de empregados mal pagos nas fazendas e o lucro  das indústrias de grande porte.
     Kubitschek, lança a campanha de fazer em cinco anos o que não foi feito em cinquênta. Rompe com o capitalismo e faz circular a entrada de capital estrangeiro, que por sua vez socorre a burguesia nacional e também para tirar o país da estagnação. Muda a capital para o centro do país com uma umidade do ar abaixo da média e abre um grande lago, o Paranoá, para melhorar a qualidade do ar, além das despesas com a construção da Novacap. Deixa uma dívida externa de mais de 3 bilhões de dólares batendo no coração de Brasília para o povo pagar através de impostos.
     A procura de uma bondade para Thoreau que fermente é a solução para o grande pensador. Lá encontramos americanos que com sua bondade deixaram registrados para sempre a sua marca, e nos dias de hoje podemos citar um herói de guerra, herói mutilado não pela guerra, mas pela prisão da justiça americana, por denunciar os horrores da guerra que participava. Bradley Manning está preso na base naval de Quântico, estva sendo mantido nu, acordado e sem comunicação, o que a CIA chama de "tortura sem contato"  (no-touch torture). O julgamento do passado e o julgamento nos dias de hoje ainda dizem respeito ao crescimento da nação, sob a égide da premissa custe o que custar e o julgamento do judiciário vem de encontro a política norte-americana e não na defresa do indivíduo. E isto, sem dúvida é um desastre quando o judiciário é submisso ao governo e não ao seu ideário.
     Às margens do lago Walden pode-se ouvir o eco da palavra pregada por Thoreau, museo a céu aberto, sem paredes e portas, livre como ele gostava de ser, refúgio para seus visitantes que aos milhares se emocinam ao pisar nas  palmilhadas terras e semeadas por ele, na humilde cabana habitada e na  inteligência ignorada pelos governantes que só viam a maldade, a escravidão e na obrigação com o imposto. Esta semente única, hoje é semeada  nas universidades, como era seu desejo, que apenas uma bondade surgisse, que o fermento crescesse e de certa forma atingisse um dia toda a humanidade com aquela compreensão necessária para se atingir um ideal de felicidade através da escolaridade, da cultura e no desencruzar dos braços. Diz Gilberto Amado: "Culto era Sócrates, preferindo beber cicuta a revogar, com qualquer habilidade ou modificações de linguagem, os compromissos tomados consigo mesmo. A cultura, a sabedoria o havia acostumado a viver uma vida bela e lhe ensinara a compreender o valor de uma bela morte. A cultura  lhe havia feito sentir que o sabor da vida  com a beleza perdida na renúncia pela  covardia seria amargo." (Estudos Brasileiros, p. 228). Minguém precisa beber cicuta. Thoreau era pacífico, inspirou Gandhi a libertar a Índia das garras da Inglaterra de maneira ordeira. Tólstoy escreve mais tarde, faz denúncias sobre os desmandos na Rússia em todos os aspectos, mas não insita a guerra. Com coragem e humildade, como fez anteriormente Thoreu, se mistura aos pobres, aos trabalhadores explorados e denuncia a tirania russa.
     A palavra de Thoreau: "Que se infrinja a lei" é a palavra do pensador quando a máquina governamental está sendo injusta e não evita o mal e assim a vida do ser humano que pode chegar ao fim antes que as regras do governo "produzam efeito." Quantas vidas são ceifadas no Brasil pelo péssimo atendimento à saúde de seus cidadãos? Quantas vidas são perdidas todos os dias com a violência urbana travada pela droga? Quantas crianças que deixam de estudar e encontram o caminho do crime? Estas crianças recebem seu primeiro diploma na cadeia assim que atinge a maioridade, diploma recebido  pela Escola do Crime.
     A atitude de Thoreau perante seu  protesto e a noite passada na prisão pelo não cumprimento da lei de cobrança de imposto assim se expressa: "Pois não importa o quão significante o começo possa parecer e o que é bem feito uma vez está feito para sempre (...)" e prossegue: "Se mil homens não pagassem imposto este ano, tal medida não seria tão violenta ou sangrenta quanto os pagar (...)" O conflito entre justiça e riqueza foi descrito onze anos antes de Karl Marx. "Em termos absolutos, quanto mais dinheiro, menos virtude, pois o dinheiro coloca-se entre um homem e seus objetos, e consegue-os por ele; e certamente não houve grande virtude em obter dinheiro (...) A melhor coisa que um homem pode fazer por sua cultura quando é rico é empenhar-se para por em prática os projetos que nutria quando era pobre (...)." Em Walden ele dedica o primeiro capítulo a Economia: "De um lado fica o palácio, do outro o asilo de mendigos e os pobres silenciosos. Os milhares que construíram as pirâmides para ser as tumbas dos Faraós recebiam alho para comer e talvez nem tenham recebido um enterro decente (...)" (p. 45)
     Marx,  refere-se ao trabalho de extração de minérios entre tantos, como sendo penoso, demorado e o diamante deveria ter seu preço não pelo valor da pedra em si, mas pelo trabalho em extrai-lo. Na hora da venda ele deveria ser bem pago pelo seu trabalho e em consequência a pedra valeria muito, assim a justiça seria feita e não haveria o distanciamento entre o rico e o pobre (escravo).
     A igreja anglicana era conhecida como religião vinculada  ao Estado, tanto que o hino nacional norte-americano foi por um certo tempo um canto religioso chamado Glória, glória aleluia (Vencendo vem Jesus), uma marcha de Battle Hymm. Destaco uns versos do hino:
        "Breve os reinos deste mundo.
         Seguirão as suas leis!
         Multidões já conquistou (o Cristo).
         Seu furor patenteou." 
     Aqui vê-se um Cristo impondo "as suas leis" que sem dúvida  os reinos (países) seguirão às suas leis. Seguir as leis está sendo motivo de guerra ditas cristãs. Quanto ao Cristo conquistar as multidões está dando um mau exemplo porque as multidões não se conquistam, não devemos sobrepor aos demais, esta multidão mais parece inimiga no combate, e patenteia o seu furor, fica registrado o seu furor àqueles que não respeitam a ideologia religiosa do outro. Um Cristo furioso, sem dúvida, que não leva a nada. Hino cantado nas igrejas norte-americana com fervor até os dias atuais.
     Thoreau protocolou na Prefeitura o desvinculamento da Igreja, deixou provas de que não era mais membro daquela instituição.
     Na prisão - "uma experiência inédita e rara para mim: aquela foi uma visão mais próxima da minha cidade natal. E eu estava justamente dentro dela. Nunca antes tinha visto suas instituições (...) Comecei a compreender como seus habitantes viviam (...)
     Dependendo de quem analiza a Constituição é muito boa (...), mas observando a partir de um ponto de vista um pouco mais elevado, eles são como os descrevi (...)
    Queria um Estado que fosse justo com todos os homens, que trate com respeito seus semelhantes, mas que ainda não encontrou em lugar algum.
     Concluo falando da humildade do pensador, que em momento algum desejou qualquer projeção. "Quando fui solto, na manhã seguinte, dei continuação minha pequena incumbência, após calçar os meus sapatos consertados, me reuni a um grupo que ia colher flores silvestres e desejava-me como guia: e em meia hora - pois logo recebi um cavalo arreado - estava no centro de um campo de mitrilos, em uma de nossas colinas mais altas três quilômetros de distância, e então já não conseguia ver o Estado em parte alguma." Pensando desta forma: "Não me nego a pagar o imposto por algum item em particular. Desejo simplesmente a negar a me submeter ao Estado, me afastar e manter-me à parte dele" e da colina repito "não conseguia ver o Estado em parte alguma.", mas apenas um desabafo feito na época em que morava em Walden, porque depois ele se volta ao Estado novamente e bate forte na Constituição norte-americana e no Judiciário.



    

quinta-feira, 16 de maio de 2013

GERMINAL - Émile Zola

Resultado de imagem para capa do livro Rui/ZolaÉmile Zola, nasce em 1840 em Paris e morre em 1902 por um escapamento de gás, quando dormia, também em Paris. Era odiado pela sociedade de direita, mas não ficou comprovado o assassinato vinculado ao acidente na época. Agitou a sociedade parisiense depois de escrever J'accuse (Eu acuso) em 1898 pedindo a absolvição no "Caso Dreyfus" e publicado no Jornal L'aurore com o título de: LETRE AO PRESIDENT DE LA REPUBLIQUE. O  capitão, Dreyfus, do exército  fora condenado por um crime que não havia cometido e que envolvia poderosos do exército da França e fora dela. Três anos antes da condenação, Rui Barbosa escreve um artigo na Inglaterra  se referindo a acusação de Dreyfus três anos antes de Zola que se pode ler em um pequeno livro Zola/Rui Barbosa contendo: Eu acuso...! do primeiro e O Processo do Capitão Dreyfus, do segundo. Perante a inteligência do grande jurista há quem diga que foi ele quem absolveu o capitão. O artigo escrito por Rui foi lido no Brasil e publicado em Buenos Aires e não se tem prova de que tenha chegado até Paris.  Rui enviou lições ao nosso Judiciário: "Como quer que seja, na Inglaterra a forma inquisitória dada em França a esse julgamento seria hoje impossível. O Times, a tradição  viva deste país, exprimiu o sentimento inglês sobre o assunto num artigo memorável. Não sei resistir ao prazer de transcrever-lhe os trechos capitais. Fá-lo-ei, porque, além de tudo, nenhum país necessita mais de lições como esta do que o Brasil destes dias."  Rui com seu artigo dá uma  aula de mestre, mas os ingratos  compatriotas não publicam, ele fazia sombras aos políticos corruptos da época.
    Em Germinal, narrador retrata neste ano o que havia acontecido no ano de 1866 com os trabalhadores das minas na França. Um projeto de construção de um Estado voltado para a sociedade para denunciar a sociedade burguesa e uma greve dos mineiros para pedir melhores condições de vida, melhor salário. Permanece por dois meses e meio, vai morar com os mineiros, naqueles casebres, trabalha por dois meses nas minas, empurra vagonetes e frequenta as mesmas tavernas. O livro é o resultado de fatos reais acontecidos em data anterior e parte do fato para a ficção e dele resulta um romance com amor, ciúmes, dor, separação e mortes. Romance realista-naturalista de narrativa impessoal feita em terceira pessoa. Um trabalho que o consagrou por ser um romance ou por escrever em tese, assim como Eça de Queirós, Charles Darwin, Balzac, Carl Marx, sendo este último escritor focado no mundo capital. Zola como observador, pesquisador é também um cintificista. Mostra ao leitor uma riqueza verbal com narrativas no Presente: "Meu nome é Etienne Lantier, sou maquinista...Tem trabalho aqui?". Ainda: "O rapaz punha escoras de madeia em uma parte do teto que estava cedendo", embora o emprego seja no Pretérito Imperfeito do Indicativo, este fato presenciado nos remete para o presente, mas de passado não concluído, imperfeito. Um flashback, um tempo passado: "Para evitar uma tragédia Etienne correu até as máquinas." Outro exemplo verbal, o narrador-pesquisador emprega o Futuro  do  Condicional: "...a vitória dos burgueses de Montsou fora acompanhada pelo mal-estar das consequências da greve, e eles se perguntavam se o seu fim não estaria próximo (n'était pas près)", um tempo indicativo que se aproxima de um futuro,  empregado pelo narrador, que aponta para uma germinação.   
      A fome, a falta do pão, o abandono dos menores em busca do que comer e a morte rondando os lares. A prole, daí o proletariado, vista como um amparo ora dos pais para com os filhos e destes para com os país. O casamento muito cedo e o desmonte desta ajuda mútua, deste empréstimo do pão. Da o nome de Germinal, extraído do calendário da Revolução francesa, significando a germinação, bem como, o mês seguinte era floral, mês das flores e por último pradial o mês das pradarias, representando a primavera.
    Karl Marx havia mexido com a sociedade geral juntamente com Engels abordando o capital, a ganância dos poderosos e a exploração dos pobres. A obra de Marx serviu de tema para vários autores que em seus romances denunciam o poder dos burgueses sobre os proletários. Assim Tólstoy escreve sobre a sociedade russa oprimida pelos capitalistas em todos os campos da sociedade. 
    O romance tem como tema a exploração dos mineiros que sucumbem de fome, mostra a ignorância, a supremacia dos poderosos sobre os assalariados e um princípio de lucidez que recai sobre os mineiros, semente que germinará no momento certo. Esta abertura abordada pelo autor vai passando do inconsciente para o consciente à medida que a dor aumenta em cada trabalhador. Aborda o medo, a represália que resultaria dessa abertura:
     "__ Se a gente reclama , logo é despedidida. O velho tem razão, o mineiro sempre vai pagar o pato, sem esperança de qualquer recompensa." Observando  esta abertura, é o mesmo que  se dá com a semente no momento em que é aquecida, na primavera. Este estado de aquecimento provocado pelo  sofrimento com  jornadas de trabalho ora sobre a neve e ora no calor sufocante das minas, despertariam como queria o narrador: "No fundo da terra germinará uma semente, e um belo dia, os homens brotariam da terra, um exército de homens que viria restabelecer a justiça". Assim escreve: "Étinne estava inflamado. Uma predisposição à revolta o impelia à luta entre o trabalho e o capital, numa primeira ilusão, que era fruto da sua ignorância. Agora tratava-se da Associação Internacional dos Trabalhadores, a famosa Internacional que acabava de ser criada em Londres, 1864. A carta princípios tinha sido escrita por Karl Marx." 
     Situa as minas de carvão ao Norte da França como Marchienne e Montsou, duas horas a pé, em direção ao centro de Voreux. Boa Morte é o nome  que o narrador escolhe para um velho mineiro. Depois de sair das proximidades de Montsou vai até a grande mina de Voreux e se apresenta para Étinne e explica que leva este apelido por que escapou três vezes da morte dentro das minas. Características do naturalismo, como a hereditariedade, pode ser destacada: Boa Morte era da famila Maheu e seu tio Guillaume foi quem descobriu a hulha gorda ou carvão-de-pedra, combustível mineral fóssil e sólido de onde se origina o gás para iluminação e o alcatrão. O velho explicou que dentro de dois anos tinha direito a uma aposentadoria com salário de cento e oitenta francos. Maheu tossiu e cuspiu negro.
       Diálogo travado entre Maheu e Étienne:
     "O campanário da igreja deu quatro horas: o frio estava mais forte.
      __ A companhia é rica?
     __ É, sim. Tem milhões e milhões, nem dá para contar. São dezenove galerias, treze para exploração e seis para bombeamento de água e ventilação. Dez mil operários, concessão  que se estende por sessenta e sete aldeias, extração de cinco mil toneladas por dia, uma estrada de ferro  que liga todas as galerias, oficinas e fábricas ! Ah! dinheiro é o que não falta." Aqui já se percebe a filosofia  marxista denunciada de forma dura n'O Capital.  Mostra a produção, a expansão das minas "sessenta e sete aldeias" e  dinheiro é o que não falta".  Escreve Marx "(...) não parece existir limite na riqueza e na posição, esta crematística não encontra nenhum limite a sua ambição que a de se enriquecer de um modo absoluto." Era a degradação social e ambiental que crescia desde os tempos de Aristóteles, o enriquecimento voltado para o homem através de artimanhas conhecida por plus-valia. Um estudo que recaísse sobre a ecologia e a economia não era aprofundado, até a marxismo. Apesar do cientificismo, de um ideal humanista e do naturalismo em alta, o homem no seu individualismo passa por cima de qualquer conceito ditado pelo Renascimento,  por Marx e Engels.
     Aqui um trecho da narrativa mostrando como são as habitações dos trabalhadores, o lugar que Étienne morava: "Ele vivia na intimidade da família; substituiu o irmão mais velho de Catherine, dividindo a cama com Jeanlin,  ao lado da cama dela. Ao se deitar e ao se levantar, devia se vestir diante da moça, que também trocava a roupa na frente de todos. O rapaz se emocionava ao ver aquela pele tão branca, que parecia ser mergulhada no leite; só as mãos e o rosto estavam estragados pelo carvão e pelo sabão que Catherine usava (...) Além dos pais estarem ao lado, sentia pela moça um misto de amizade e rancor que o impedia de mostrar seu desejo." 
     Em 1919, Morris West escreve Filhos das Trevas, escrito depois dos bombardeios da guerra inicida em 1914, quando veio para a Itália. Veja a semelhança no diálogo entre o narrador e Peppino, personagem que permanece do início ao fim da obra:
     " __ Nove num quarto?
       __ Na cama. É grande, como pode ver.
       __ Todos?
       __ Que hão de fazer?
      Nas barache (barracas) dormiam quinze no mesmo quarto, como animais.
     "__ Acha certo, Peppino, que o ato sexual se realize diante das crianças, das moças e dos rapazes mais velhos...?"
     Tanto em Germinal como em Filho das Trevas, o primeiro mostrando  como eram as condições de vida dos trabalhadores e no segundo o pouco caso da burguesia e políticos  italianos depois da guerra que abandonaram por completo a pobreza e dormiam em barracas, denunciado Morris West.
     O narrador, em Germinal foca a falta de dinheiro, e a consequência da falta deste recaia sobre as crianças que sem destino andavan pela rua. "Para se esconder, os garotos se deitavam uns sobre os outros. Hennebeau viu muito bem os meninos em cima da menina e pensou e como as crianças já sabiam se divertir". Margarte Duras em seu livro O Amante fala dessa mesma situação em que se encontravam as crianças em Saigon e ela também uma criança precisava dar cabo "daquele assunto" que um dia teria que acontecer. "Em volta dela os desertos, os filhos são o deserto, não realizarão nada, a terra também árida, o dinheiro perdido, tudo acabado. Resta aquela menina crescer e que talvez um dia possa trazer dinheiro para casa. Por esse motivo, sem o saber, a mãe permite que a filha saia com aquelas roupas de prostituta infantil. É por este motivo também que a menina já sabe muito bem o que  fazer."
    O narrador mostra a indignação a que chegou as mulheres grevistas perante as ameaças das força armada: "(...) não encontrando nada excepcional para lhe dizer, lançou a pior afronta: levantou a saia, abaixou a calcinha e mostrou a bunda.
    __Tomem! E olhem que está muito limpa para vocês!
    E ela virava a bunda para todos os lados, dizendo:
    __Aqui está para o oficial! Aqui, para o sargento! E agora para os militares!
    (...)Formou-se uma verdadeira chuva de tijolos, que eram lançados em pedaços ou inteiros. (...) Os homens resolveram entrar na batalha e a saraivada de pedras aumentou. (...)os oficiais apontaram os fuzis e disparam três tiros, depois cinco e em seguida houve uma fuzilaria. (...) Tudo parecia terminado quando um último tiro partiu, isolado, com atraso.
     Atingido no coração,  Maheu, deu uma volta e caiu com o rosto numa poça de água, preta de carvão. (...) Ao ver seus olhos vazios e a espuma sangrenta que lhe escorria da boca: ela compreendeu, seu homem estava morto. A mulher sentou com a filha nos braços, como se fosse um pacote e ficou olhando para o seu velho, bestificada." 
     Caminhando Étinne retoma seus pensamentos depois daquela "vitória" dos burgueses sobre os mineiros e eles se perguntavam se seu fim não estava próximo. Retoma Darwin, cientista admirado pelo autor : "Será que Darwin tinha razão: o mundo se tornaria um campo de batalha, com os fortes comendo os fracos para a melhoria da continuação da espécie? Essa questão o perturbou, mas uma idéia iluminou suas dúvidas: em seu primeiro discurso retomaria (parlerait) antiga explicação da teoria. Se fosse preciso que uma classe destruísse a outra, não seria o povo, cheio de vida, que devoraria (mangerait) a burguesia, enfraquecida de tanto luxo? O sangue novo renovaria a sociedade. Na espera da invasão dos bárbaros, para regenerar as antigas nações caducas, sua fé numa revolução próxima, ressurgiria absoluta, a verdadeira revolução,  a dos trabalhadores, dont l'incendie embracerait la fin du século".
   Neste parágrafo destaco o emprego do verbo pelo narrador, numa tendência ora  filosófica, ora psicológica. A primeira faz uma alusão ao pensamento de Darwin, cientista, questionado por Étinne sobre a Teoria das Espécies. Vive também um momento de explosão da consciência numa reflexão psicológica do que pode e do que não pode acontecer dali para frente e busca no tempo do verbo condicional como: parlerait, emblaicerait, não imperativo, apenas  uma ideologia, com relação a germinação, uma tomada de consciência, um sangue novo, um pensamento hegeliano e marxista, mas de narrativa proposital para mexer com a sociedade. A explosão (l'incendie embracerait) da semente plantada no início do discurso, incendiaria? Em 1848, quando foi redigida a Constituição francesa e adotado os substantivos: Liberté, Igualité e Fraternité, fica sendo  definido como um princípio da República, "(...)  uma obra de compromisso. De um lado, entre o liberalismo – claramente afirmado com a declaração preambular de redução gradual das despesas públicas e dos impostos – e o socialismo democrático. Compromisso, de outro lado, entre os valores conservadores – a Família, a Propriedade e a Ordem pública, invocados com letra maiúscula no inciso IV do preâmbulo – e o progresso e a civilização (preâmbulo, inciso I). É interessante observar, a esse respeito, que, enquanto as anteriores declarações de direitos da Revolução Francesa não fizeram referência alguma à família, o preâmbulo da Constituição de 1848 menciona-a nada menos do que quatro vezes. Por outro lado, a orientação do ensino público, como dispõe o art. 13, não é para a formação do cidadão, mas sim para o mercado de trabalho." Os princípios da República, com a Igualdade como  clamor, não forma um casamento com a disposição do art. 13, em que a Constituição não tem compromisso em formar os cidadão para todas as áreas, como por exemplo, a formação de cientistas, mas somente para o mercado de trabalho. O autor escreve o romance, trinta e três anos depois da Lei.