sexta-feira, 14 de outubro de 2016

SAVONAROLISMO - O que abunda!

Italy - circa 1952: stamp printed by italy, shows girolamo ...
O que abunda não prejudica, precaução demais não prejudica, cautela e caldo de galinha não prejudica. Nem o que abunda, nem a cautela, nem o caldo de galinha..., equilíbrio mental. (Quid abundat non nicere, abundat cautele non nocere, caute gallinacci  non nocere. Et abundantes, et prudentia, et gallinacci caute....sanitatem reducamus.Requião compara Moro ao inquisidor Savonarola; assista ao vídeo

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

MEXENDO COM LIVROS: PEDRO CARDOSO DUARTE - Salário de vereador

MEXENDO COM LIVROS: PEDRO CARDOSO DUARTE - Salário de vereador: Em 1945 os vereadores não recebiam salário nas capitais brasileiras. Em 1948 os vereadores de alguns municípios pequenos não compareciam...

PEDRO CARDOSO DUARTE - Salário de vereador

Em 1945 os vereadores não recebiam salário nas capitais brasileiras. Em 1948 os vereadores de alguns municípios pequenos não compareciam as reuniões semanais por que estariam trabalhando de graça. Muitos Prefeitos já haviam assinado o pedido das Câmaras para que fossem pagos seus proventos. Por volta de 1950 todos os municípios brasileiros pagavam salários para todos. O único vereador brasileiro que não aceitou receber o salário em dois mandatos consecutivos de 1956 a 1964 foi o vereador Pedro Cardoso Duarte/TORRES/RS/BR, sendo eleito Prefeito em 1964 a 1969, no período da Ditadura. O salário a pedido do vereador era destinado ao Ginásio São Domingos, que juntamente com Dr. Rui Rubens Ruschel e outros foram seus fundadores. Pedrinho, era assim que o chamavam compareceu durante 8 anos a todas as sessões da Câmara de Vereadores de Torres, sem receber um centavo. A primeira medida, após assumir a Prefeitura foi baixar o seu próprio salário, recebendo assim salário abaixo dos vereadores daquela Câmara. Havendo a discrepância, a Câmara se agitou e durante os cinco anos de gestão, teve minoria a seu lado.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

ELOGIOS DA LOUCURA - Erasmo de Rotterdam

       
              SOBRE OS ELOGIOS DA LOUCURA

      A obra, é uma sátira que atravessa o tempo permanecendo sempre atual, escrita por  Desiderius Erasmus, mais conhecido por Erasmo de Rotterdam, por ter nascido nessa cidade em 1465. Faz uma homenagem a Tomás Morus, um chanceler e advogado do reino de Henrique VIII, que foi enviado a Frandes, para tratar de uma missão, uma querela, com o príncipe Carlos, em Castela, na Espanha.  Em Oxford, onde estudaram, fizeram uma grande amizade e o amigo lhe faz uma dedicatória com o livro Elogios da Loucura, que  se pode ler numa carta enviada a Morus. 

                                                                                                                Salve!
     " Encontrando-me, há dias, de retorno à Itália, para a Inglaterra, para não despender todo o tempo da viagem em insípidas fábulas, dei preferência em distrair-me, já voltando o espírito para os nossos estudos comuns, já relembrando os sapientíssimos e igualmente muito agradáveis amigos que eu deixava ao partir. E foste tu, caríssimo Morus, o primeiro que surgiu ao meus olhos, visto como, não obstante tamanha distância, eu via e conversava contigo com idêntico prazer, que em tua presença costumava sentir e o qual juro que não experimentei maior em minha vida. Não querendo neste interregno, ser tido como indolente, e não me parecendo serem as circunstâncias apropriadas aos pensamentos sérios, achei que me convinha divertir-me com um elogio da Loucura? _ indagarás a mim. Pelo motivo que segue: no início fui dominado por essa fantasia devido ao teu gentil sobrenome, tão idêntico a Moria (loucura em grego) quanto em realidade estás distanciado  dela e, certamente, mais distante sobretudo do conceito que se tem dela. Depois fiquei lisonjeado com a suposição de que essa engenhosa pilhéria viesse a merecer a tua aprovação, se é certo que divertimentos tão artificiais, ainda que, em verdade, não o julgues plebeus, nem inteiramente insípidos, possam agradar-te, permitindo que, qual novo Demócrito, observes e ponhas em ridículo os eventos da vida humana. Conseguintemente, terás prazer, agora, não apenas em aceitar de bom grado esta minha pequena arenga, como sendo um presente do teu bom amigo, mas ainda colocando-a debaixo da tua proteção, como uma coisa sagrada para ti e, verdadeiramente, mais tua do que minha. 
      No que me diz respeito, deixo aos demais que julguem esta minha tagarelice; porém, se o meu amor-próprio não permitir que eu me dê conta disso, ficarei satisfeito de ter exaltado a Loucura sem estar completamente louco. Muito mais livre e azedo foi São Jerônimo, que nem mesmo perdoava o nome das pessoas! Contudo, por que razão hei de te dizer todas essas coisas, se tu és eminente advogado, capacitado de modo egrégio ainda as causas menos propícias? 
      Sem mais, eloquentíssimo Morus, faço votos que estejas no gozo de tua saúde e tomes com todo ânimo a parte de tua loucura."

                                                                                                                                      VILA, 10 de junho de 1508. 


        Sobre os Elogios da Loucura, deparamos  com a presença                  dos sábios da educação  e da justiça, mostradas  com o emprego do  paradoxo.  Pintou  a alma humana como de um  louco,  satirizada       com espiritualidade.                                                                       
                                                                 


      A carta mostra a vivência de Erasmo: um talento que não pode ser desperdiçado com leviandades, uma pessoa de muito bom humor, de uma alegria permanente. As máximas se afloram para satirizar a educação,  àqueles que se acham sábios com o emprego do contraditório: "Não tens quem te faça um elogio? Elogia-te a ti mesmo."  Chega a ser sarcástico, mas necessário para atingir  de maneira inevitável e de forma universal, a falta de elogios e pelo "profundo desprezo não sei se pela ingratidão ou pelo fingimento dos mortais." O ignorar, falta de generosidade, o dar às costas para quem um dia lhe estendeu a mão, e pelo que se percebe tem aqueles  que fazem de conta que não se conhecem, ou direcionam-se a uns e a outros, ah! São os outros. Onde está a educação? "É verdade que alimentam por mim uma veneração muito grande e apreciam muito as minhas ações  generosas; entretanto, parece inacreditável, desde que mundo é mundo, jamais existiu um único homem que, dando mostras de reconhecimento, fizesse o elogio da Loucura."
   "O que seria dessa vida, se faz jus ao nome de vida, sem os prazeres da volúpia". O pensador comenta a vida fastidiosa e o que traz o alívio para a vida, é a volúpia, com gracejos e burburinhos. Para ele, a loucura faz parte da sabedoria, desde que fossem sábios.  Satirizando e contradizendo-se, porque se a sabedoria, segundo ele, também é o veneno da vida, porque nos priva das loucuras, então os loucos não se deixam envenenar, atiram-se na volúpia, e a vida torna-se mais prazerosa: "E como é bom viver!” 
     "Esclarecei-me se existiu uma só cidade que tivesse adotado as leis de Platão e de Sócrates, ou as máximas de Sócrates." O que os sábios exclamam: "pode existir loucura maior do que a de um candidato que adula de modo suplicante o povo para conquistar honras  que adquire o seu beneplácito à custa de liberalismo?"   Por que lembra do liberalismo se ele só foi surgir dois séculos depois? As doutrinas que descrevem o liberalismo como um pensamento voltado para a liberdade tem início com os filósofos na Antiga Grécia e China Antiga. A sociedade que o pensador ironiza vive sufocada num “eterno” feudalismo que se evidencia no século III, continua até século XV e dele ultrapassa  em torno de senhores proprietários e monarcas. Uma loucura, o comportamento dos políticos quando necessitam do povo para atingir cargos de reis, senadores, governantes sem ter plantado nenhum mérito anterior ou nenhuma sabedoria.  A classe operária, os miseráveis, que são submissos, aplaudem os mentecaptos, que recebem honras divinas, sem méritos. Ainda aponta para "as cerimônias públicas que efetuam para acrescentar ao número dos deuses os mais celerados tiranos." Eram cerimônias romanas que até os dias de hoje se copiam através da mídia com honrarias e troféus com destinos pré-determinados. 
       Lembra Sócrates: "Acontece que esse homem não era inteiramente louco", pois os sábios deveriam afastar-se inteiramente do regime da república, que só estavam a serviço do bem viver, de ensinamentos e na República de Platão,  lembra o poeta Píndaro, a respeito de quem tiver levado uma existência justa e pura: 

a doce esperança
que lhe acalenta o coração acompanha-o,
qual amada velhice, a esperança que governa mais que tudo,  
os espíritos vacilantes dos mortais.

     Sócrates não era assim tão louco, mas leva a ética a sério, não quis ludibriar os seus detratores, não volta atrás nas afirmações filosóficas e prefere tomar Cicuta à passar o resto da vida concordando com eles. Uma loucura! Já na Idade Média, Galileu não perde nenhum conceito de sabedoria e permanece vivo. Outros tempos!
        Fala de Homero que apesar de cego, enxergava essas verdades: "O tolo - disse ele - aprende à sua custa e apenas abre os olhos depois do fato."  Nenhuma ironia, apenas a ambiguidade, a loucura, a tolice humana, que caminha de olhos vendados e só depois que se vê perante aquilo que acredita como certo, agora, o próprio fato  mostra outra realidade.
    "O que está fora de qualquer dúvida é que os filósofos, quase por universal consenso, ridicularizam a advocacia e, com grande propriedade, qualificam esse mister como ciência de burro. Entretanto burros ou não, serão sempre eles os intérpretes das leis e os reguladores de todos os negócios."  Na Idade média era assim, antes dela também e nos tempos modernos, nessa contemporaneidade do século XXI, nada mudou; continua sendo a ciência de burro, assim ela  se divide em três pensamentos, os que fazem dela continuar sendo a ciência dos burros, os que fingem que não sabe que é a  ciência dos burros, e os que conhecem bem a ciência dos burros. Salvo-conduto, que se lembre da ironia do pensador, tanto que dedica o livro a um excelente advogado da corte inglesa em homenagem a sabedoria, a fidelidade e os mesmos cuidados em lidar com o ofício, era um humanista, que enfrenta o Canal da Mancha para resolver a querela do Rei.
    "Querem os advogados levar de vencida todos os demais eruditos e fazem enorme conceito de sua arte. Ora, para usar de franqueza para convosco, a sua profissão e, em derradeira análise, um verdadeiro esforço de Sísifo. Efetivamente, eles determinam uma porção de leis que não levam a qualquer conclusão. Que coisa são o digesto, as pandetas, o código? Um acervo de comentários, de glosas, de citações com toda essa confusão, fazem acreditar ao populacho que, de todas as ciências, a sua é aquela que necessita o mais laborioso e sublime engenho. E, como acontece julgar-se mais belo o que é mais difícil, sucede que os estúpidos têm um elevado conceito essa ciência." Na crítica irônica, o julgamento é feito pela justiça, pelos esforços dos advogados com as leis para condenar. Morus vem sofrendo as represálias do Rei por defender a classe operária; é um escritor com muitos livros editados e entrega o último a Erasmo para que publicasse após a sua morte, a Utopia, enquanto lida com a fúria e o apelo da corte para a condenação,  por uma fofoca, a ser decapitado. Já sofria de gota, então pede a um dos guardas com a mesma coragem que conduz a vida, porém de espírito sossegado, que ajude a subir no cadafalso: "Amigo auxilia-me a subir, que quando eu descer não te darei mais trabalho".  
    Cita Sísifo, condenado pelos poetas a rolar uma pedra montanha acima e assim que se aproximava do topo deixa escaparEssa condenação mitológica corresponde ao que hoje se chama de prisão perpétua, pois o condenado teve de rolar a pedra por toda existência, com a diferença do esforço ser sobre-humano e sem nunca atingir o ponto. No Senado, Luis Roberto Barroso é sabatinado,  como um dos requisitos para se tornar Ministro do STF,  afirmou que o mensalão representa "um ponto fora da curva". Para Barroso a curva demonstra o funcionamento do direito em condições normais. Cada sentença judicial, cada ponto encontra o seu lugar perto de certo acordo de base: a curva, que representa uma espécie de sentença ideal a reunir casos semelhantesO acordo de base passa perto da curva, mas não chega a ser tocado, não tangencial o que seria uma sentença ideal. Por que, pensou Barroso, dessa forma? Observe o direito e suas análises, e suas sentenças: Sísifo parte da base para chegar ao cimo em linha reta, com uma pedra, sem passar por perto de curva; Barroso imagina a base como um acordo que se faz, que seria o ideal, e por que não é? Sísifo, faz o esforço inútil, já que a pedra ao tocar o cimo, volta à base, e ambos, o ponto não toca a curva. As sentenças, as análises continuam como o próprio autor ironiza uma ciência de burro.
     "Tem os sábios, que possuem duas línguas, uma para expressar aquilo que pensam e a outra para falar de acordo com as circunstâncias com talentos para fazer o preto surgir como branco e o branco como preto, soprando com a mesma boca  tanto o calor como o frio."  Eurípedes, na primeira  máxima, lembra a língua da sanguessuga que se bifurca, segundo Plínio, são os discursos com palavras estrangeiras formando mosaicos, só enganando os leitores, os tolos, e na segunda, menciona a fábula de Aniano que relata a história de um camponês sátiro,  que sai de sua cabana e, enrijecido pelo frio, é acolhido por outro que lhe serve uma sopa quente, enquanto assopra as mãos para aquecê-las, repetido pelo hóspede. Na mesa o sátiro tem dificuldades para tomar a sopa quente, então vê que o camponês antes de levar  à boca, assopra para esfriar. Vendo isso ele mostra-se espantado, da mesma boca que sai calor, também sai frio? E sai a correr porta afora por achar que estava sendo enganado.
   "Eu nunca desejaria beber com um homem que tudo se recordasse". O pensador não gosta de ladrilhos, de estrangeirismos, no meio das palavras, mas Qui peccat ebrius, luat sibbrius. (Aph. JUR). Quem bebe para falar, expia para calar."Odeio o ouvinte de memória fiel em demasia". Repete o contraditório no emprego do verbo odiar no lugar de amar e o adjetivo em demasia incomoda o pensador, pois que abundat non nocere. O mestre era amante do que abunda ou não abunda?
     E despede-se: "E, por isso, sede sadios, aplaudi, vivei, bebei, ó muito célebres iniciados nos mistérios da Loucura." (Cardoso, Maria de Lourdes)