terça-feira, 30 de junho de 2015

DISPARADA - Geraldo Vandré e Théo de Barros

   Um dos autores da letra de "Disparada" é Geraldo Vandré, nascido na Paraíba. Disputou com esta música de tema sertanejo, no Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro em 1966, conquistando o título de primeiro lugar juntamente com Chico Buarque, com a música, a "Banda". Vandré se muda para o Rio, neste período militar, faz parte de um grupo de jovens que não concordam com os acontecimentos políticos. Entre eles o próprio Chico, Caetano, Gilberto Gil e as jovens que também se manifestam como o caso de Elis Regina, Nara Neão e a Presidente da República, Dilma Rousseff, que conheceu os porões da Ditadura. As composições são as alfinetadas aos generais no comando e eles são os nacionalistas insatisfeitos. Chico e Gil se destacam com a canção musical  "Cálice" e foi tocada nos quatro cantos do país, em 1973. Eles protestam, são  chamados, também de subversivos e enquadrados no AI-5(1968)". Para os militares, as letras, letradas, são vistas como subversas, subletras. Para os "outros", o máximo da nata pensante do país. Sabem fazer letras, com colocações sutis que deixam os generais confusos: "É ou não para nós o recado"?
     Na"Disparada", percebe-se a hora, o momento em que a composição rasga o papel e os corações dos brasileiros, isto sem falar em outra "Para Não Dizer Que Falei Das Flores" em 1968, também de Vandré, onde ele convoca um "let´s go", quem não acreditou, xadrez. Vandré conhecedor do nosso sertão, encontra nele um refúgio para "disparar" contra o regime que se estabelece na força. Neste momento me faz lembrar um prisioneiro da Ditadura russa, escritor, Alexander Soljennítsin, que fez um comentário sobre o ditador Josef Stalin e pagou com prisão  num gulag, acima da Linha do Ártico, conta a sua história que foi editada em 1960, traumatizado, cria um personagem, o "Ivan", para que tivesse sossego na vida. Como Vandré este último viveu no silêncio, das lembranças do frio cortante e das sopas de urtiga com olhos de peixe. O nosso compositor deixou o Brasil, foi demitido da Aeronáutica e mais tarde readmitido. Vandré inicia a composição pedindo que "prepare o seu coração para as coisas que eu vou contar". Por trás de um sertanejo, o Alexander brasileiro se esconde, já estava protestando com os retirantes da seca em direção ao Sul, partindo da terra calcinada. Forte! "Ver a morte sem chorar", verso de quem pautou por duras batalhas, o povo clamava por mudanças. Elas vieram da maneira mais brusca, dos tanques e dos cavalos. Das prisões, dos desaparecidos, dos exilados. Vieram das escutas, do silêncio, das distrações. 
    O sertanejo, que escreve, "Na boiada já fui boi", como tantos brasileiros, numa subordinação que ultrapassava os 400 anos. Um povo ferrado, pisando as pedras mais duras, o diorito do cerrado, com a sua boiada, onde arbustivos enfezados desaparecem, e rareia a água e a onça. "Pela vida seguirei, muito gado, muita gente, mas de braço forte e laço firme", era como num sonho, passou de "gado" para "rei", e no sertão, o  vaqueiro era gente, com "laço" e "nas patas do meu cavalo E já que um dia montei", percebeu que vivia "Num reino que naõ tem rei".   Na  rodada do mundo, o vaqueiro descansa na noite e via o povo ferrado, marcado e faz o seguinte verso: "pois o gado a gente marca, tange e mata, mas com a gente é diferente" e "as visões foram se clareando", e faz esta  a dicotomia, animal e o ser humano, ambos do mesmo reino, mas com DNAs diferentes, mas o sertanejo era tratado como bicho.
    Com a pressão da Ditadura, com as dificuldades no dizer, no camuflar das tardes no Rio, conclui na sua "Disparada" [...] "E se você não concordar, vou pegar minha viola e vou tocar noutro lugar". Para o compositor "você", não era o Chico, o Caetano, a Nara, era o braço forte, não do sertanejo retirante, mas da Ditadura Militar. Vandré, Alexander, rasgam as identidades, seus rompantes de "rei", desaparecem e o silêncio perpetua. Eles foram apenas os lembrados, mas nos campos russos, são incontáveis o número de gulags e prisões. Aqui são incontáveis o número de prisões, sendo só da Marinha, dois mil soldados. 
    Este texto foi escrita há exatos 49 anos, no primeiro ano do Curso Normal na Escola São domingos de Torres.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

UTOPIA - Tomas Morus


                      PRIMEIRO LIVRO
     O autor nasce em Londres em 1478 e decapitado em 1535 no reinado Henrique VIII. Utopia é editada em Basileia (Suiça) por seu amigo  Erasmo de Rotterdam, que conhece em Oxford, onde estuda e desta amizade o amigo lhe faz uma dedicatória com o livro "Elogios da Loucura" que se pode ler numa carta enviada a Morus.
    "Encontrando-me, há dias, de retorno à Itália, para a Inglaterra, para não despender todo o tempo da viagem em insípidas fábulas, dei preferência em distrair-me, já voltando o espírito para os nossos estudos comuns, já relembrando os sapientíssimos e igualmente muito agradáveis amigos que eu deixava ao partir. E foste tu, caríssimo Morus, o primeiro que surgiu ao meus olhos, visto como, não obstante tamanha distância, eu via e conversava contigo com idêntico prazer, que em tua presença costumava sentir e o qual juro que não experimentei maior em minha vida. Não querendo neste interregno, ser tido como indolente, e não me parecendo serem as circunstâncias apropriadas aos pensamentos sérios, achei que me convinha divertir-me com um elogio da Loucura? _ indagarás a mim. Pelo motivo que segue: no início fui dominado por essa fantasia devido ao teu gentil sobrenome, tão idêntico a Moria (loucura em grego) quanto em realidade estás distanciado  dela e, certamente, mais distante sobretudo do conceito que se tem dela [...] Contudo, por que razão hei de te dizer todas essas coisas, se tu és eminente advogado, capacitado de modo egrégio ainda as causas menos propícias? 
      Sem mais, eloquentíssimo Morus, faço votos que estejas no gozo de tua saúde e tomes com todo ânimo a parte de tua loucura". VILA, 10 de junho de 1508. 
       O autor é um parlamentar do reinado de Henrique VIII, e foi enviado a Frandes, para tratar de uma missão "uma querela", com o príncipe Carlos, em Castela, em Burges na Espanha. Além de advogado o autor cria uma personagem versada em Filosofia, sua paixão, esse lhe é apresentado pelo seu amigo Pedro Gil, cidadão antuerpense, o português e navegador Rafael Hitiodeu. Ele é conhecedor do latim, "fê-lo cultivar ainda a língua de Atenas de preferência à de Roma". Assim a personalidade de Rafael, que ele chama de "meu antagonista", a certa altura do texto, dois vultos na presença de Pedro Gil, se sobressaem de maneira conhecedora dos problemas sociais, as suas histórias irão servir para elaboração de um segundo livro e apenas algumas pinceladas sobre a Filosofia romana como algumas passagens sobre Sêneca e Cícero.
O autor não vê necessidade de perguntar a Rafael sobre Cila, Celenos e Lestigões, monstros ou pessoas mitológicas "comedores de gente". Encontrei em Homero, na Odisseia versos que provam a "existência" destes últimos:
"Inclinou-se Telêmaco a Minerva,
 Dizendo à puridade: "Hospede caro,
 Vou talvez enfadar-te? Eles só curam
 De cantigas e danças, porque impunes
 Comem do alheio, os bens do herói consumem
 Cuja ossada ou jaz podre em, longas terras..."(Livro I, v. 129 a 134)
     Esta referência, "os comedores de gente", era a terrível ironia as guerras, onde tombavam pessoas e que o autor denominou também de "animais carnívoros" que a França aprende a sua custa.
   Cita o narrador: "O que é raro, é uma sociedade sã e sabiamente organizada". E este pode tema desta história.      Encontra-se um discurso em primeira pessoa, tanto no singular como no plural:
   "Um dia eu estava em Notre-Dame [...] dou de cara com Pedro Gil que conversava com estrangeiro, já idoso".
   "Sobre estas questões nós o importunamos com perguntas intermináveis [...] 
   Nesta obra encontra-se uma crítica ao reinado inglês e uma análise dos governos por onde o antagonista percorre. O autor  mostra a riqueza dos príncipes, do clero, daqueles que crescem nos feudos e o distanciamento  da vida dos miseráveis: "A principal causa da miséria reside no número excessivo de nobres, zangões ociosos, que se nutrem do suor e do trabalho de outrem e que, para aumentar seus rendimentos, mandam cultivar suas terras, escorchando os rendeiros até a carne viva". Desta passagem se extrai a causa da miséria, a sua existência no trabalho do campo e a ociosidade daqueles que se nutrem do suor destes com vida palaciana, mostrando o antagonismo de classes ou a dicotomia: riqueza e miséria. Aqui extraí-se o pivô da tragédia dos governantes, no caso os dois Reis de que cita o autor: Henrique VII e Henrique VIII, o objeto principal, a discussão do narrador com seu antagonista, a miséria que reina que deste ponto do objeto,  pode-se de chamar de raiz, com algumas bifurcações como a fome, o crime e as condenações.
   Vê-se uma narrativa feita de reflexões profundas, um balanço de tudo que vivenciam: "Examinando cada forma de governo, analisava, com uma sagacidade maravilhosa, o que há de bom e verdadeiro numa, de mau e de falso noutra". Procuram juntos, e Pedro Gil fazia parte, de uma solução para a governabilidade e sonham com um lugar onde houvessem harmonia, com uma sociedade humana "organizada de modo a garantir para cada um uma igual porção de bens". Um lugar, uma ilha com o nome de Utopia, nome inventado pelo autor e retirado de um conquistador que se apoderou da  ilha, Utopus. Nesse primeiro livro por mais de uma vez é citado um segundo que será descrito por Rafael, depois de ouvir todas as aventuras na linha do Equador,  com animais, povos ferozes e muito calor, por terras afastadas com animais mais mansos e a presença do verde. Esse aceita o convite:
      "_Com muito gosto, respondeu Rafael; essas coisas estão sempre presentes  à minha memória; mas a narrativa exige tempo".

                          SEGUNDO LIVRO
     No primeiro livro o autor fala de Henrique VII,  mas também de uma miséria e sofrimento que brota de todos os lados, fruto de uma sociedade em decadência nas mãos do clero que possuiam muito mais da metade das terras (os feudos) juntamente com os nobres.
  No Segundo Livro, a convite do narrador, Rafael promete fazer a descrição desta ilha com muito gosto, mas avisa que precisa de muito tempo. O narrador pede, que "descrevei-nos os campos, os rios, as cidades, os homens, os costumes, as instituições, as leis, tudo o que pensais que desejamos saber, e, acreditai-me, esse desejo abarca tudo que ignoramos." No emprego do verbo descrevei-nos, aoarece o desejo de um narrador oculto, quando se ausenta e coloca alguém para narrar.
  Inicia a descrição: "O QUE VOS DIGO EM VOZ BAIXA & AO OUVIDO PREGAI-O EM VOZ ALTA & ABERTAMENTE."
  O narrador oculto, é  ameaçado pelo Rei Henrique VIII, escreveu o livro em latim e ao ser traduzido fica as marcas da língua: "O QUE VOS DIGO EM VOZ BAIXA & AO OUVIDO" é a revelação de um desejo que não pode extravasar naquele momento, já que está envolvido na corte inglesa não será perdoado pela crítica dos desmandos do Rei, mas implora "PREGAI-O EM VOZ ALTA & ABERTAMENTE." Nesta oração ele emprega o Imperativo afirmativo, de forma invocativa. Esta é a intenção do autor: primeiro o silêncio e depois a palavra revelada para todos no momento certo.
  Encontra-se um  narrador-onisciente, narra em  terceira pessoa: "O mar enche esta imensa bacia [...]; A entrada do golfo é perigosa por causa dos bancos de areia." Aqui dou dois exemplos de um narrador conhecedor da história, embora fictícia, assim como vamos encontrar momentos em que ele sai deste anonimato para surpreender com intromissões de fala e neste caso entra a primeira pessoa: "Aqui espero uma série de objeção e apresso-me em rebatê-la" ou "Ora o que afirmo em Utopia está provado pelos fatos." O narrador emprega o Presente do Indicativo de forma ilocutória ou apelativa num discurso indireto e a resposta é dada por ele mesmo: "está provado pelos fatos". Aqui "fatos" neste segundo livro são baseados no primeiro com uma história real, vivida pelo narrador e pelo antagonista, que o autor perpassa para o leitor com uma aparência mais próxima da realidade nos reinados na Inglaterra e fora dela, agora "fatos" passa para um mundo imaginário, uma fantasia vivida para levar ao leitor a um pedaço de terra que se desliga do continente chamada Abraxia, onde a sociedade pode ser diferente, assim como muito mais tarde escreveu Marx, um socialismo onde todos podem viver de maneira igualitária. Ele cria uma ilha que não foge os padrões das ilhas do Canal da Mancha, tem seu lado bom, um centro com águas calmas, uma bacia com vasto porto, mas com uma entrada com bancos de areia e dos escolhos. Fala de um rochedo visível que me vez lembrar Victor Hugo em "Os Trabalhadores do Mar", que enfrentam os rochedos nas idas e vindas pelo canal ou também a Ilha de Fernando de Noronha, descrita por Rafael, com águas calmas, conhecida por Américo Vespúcio.
 Ali um conquistador de nome Utopus, apodera-se dela e dá-lhe o  nome Utopia, com os habitantes, os utopianos. 
 Nesta ilha, nem tudo é perfeito, mas qualquer rebelação "eles expulsam esta nação da região que querem colonizar, e, se preciso empregam, para tal, as forças das armas". Por duas vezes houve peste e "a população do lugar diminuisse a ponto de não poder ser restabelecida sem romper o equilíbrio e a constituição das outras partes da ilha..."
  Este narrador trás à tona o idoso e que até os dias de hoje é respeitado na Inglaterra e este país está colocada entre os primeiros do mundo com a permanência dos avós dentro do lar juntamente com a família. Em Utopia vemos um idoso, que "preside a família", com honras de lugar na mesa e o melhor pedaço de alimento que por sua vez divide para o próximo. Os chineses vê no idoso aquele conhecimento impírico,  que veio construindo através das experiência vividas, sem por em xeque o grau de instrução, assim também o escritor foi tomado desta mesma consciência que atravessa os mares com os navegadores. O respeito com os mais velhos.
  O autor, em uma passagem narra  que na lavoura há dois escravos e agora,  estes mais: "Os escravos são encarregados dos trabalhos de cozinha mais sujos e penosos". Esta tomada de consciência de acabar com a escravidão ainda não se passa pela cabeça do narrador e mesmo nesta República de direitos aproximados os escravos não foram extintos, mesmo que o governador e idealizador da ilha quer o bem para todos, já que a narrativa se opõe a do Primeiro Livro onde há uma escravidão quase que na totalidade do povo. 
 "Os embaixadores traziam uma vestimenta rica e suntuosa...que era a marca vergonhosa da infâmia, o brinquedo da criança."Eles são vistos quando entram na ilha, que "sem lhe dar mais atenção do que os lacaios e os olhavam com piedade". Foram humilhados porque os escravos estavam cobertos de ouro e "despojaram-se apressadamente do fausto que tão orgulhosamente tinham exposto". A intensão do narrador como embaixador que no Reinado da Inglaterra é de que esta ideologia de se despir do ouro irá levá-los a igualdade como os demais da população e o autor conhece muito bem os gastos do seu Reinado.
  Marx, em O Capital, fala da extração do ouro, das pedras preciosas e vive de perto morando na Inglaterra a extravagância dos poderosos e a exploração dos operários. Cita o narrador de Utopia: "Admiram-se que o ouro, inutil pela sua própria natureza, tenha dquirido um valor fictício tão considerável que seja muito mais estimado do que o homem; ainda que somente o homem lhe tenha dado este valor e dele se utilize, conforme seus caprichos". Para quem pense que a Filosofia econômica de que fala Marx partiu dele, enganam-se porque acima de tudo é um pesquisador. Veja a minha conclusão do trabalho sobre El capital: "Um brilhante, uma esmeralda ou qualquer pedra extraída, deve valer não só pelo valor da pedra, mas acrescida ao valor, o trabalho daquele que a extrae, o que não acontece nem aqui e nem na China".
   "Que dizer dos avarentos que acumulam dinheiro e mais dinheiro, não para o seu uso, mas para    se consumir   na contemplação de uma enorme   quantidade de   metal?   O prazer desses ricos miseráveis não é   pura quimera?"           O narrador fala de uma estupidez escessiva de    enterrar seus escudos, de enterrar o ouro,    chama-os de  avarentos, isso para ele é o mesmo que roubar e    que   chama     de "depósito confiado à terra."
    Encerro e faço um convite para que leiam  Utopia,  assim  como  O príncipe de Maquiavel ou a República de Platão.